terça-feira, 25 de março de 2008

Kane, Charles Kane

A típica apresentação bondiniana bem que poderia ter sido antecipada nos anos 1940. E, se fosse, com certeza estaria em Cidadão Kane. Após comprar o New York Inquirer, o magnata diria: "My name is Kane, Charles Kane". Depois disso, agarraria sua esposa -- a segunda, principalmente, que era a 'cantora de ópera' -- e a beijaria bem ao estilo Homem-Aranha 2, quando o próprio lasca uma beiçada na Mary Jane, a mulher não a erva. Sim, se Kane fosse um filme somente, talvez o roteiro seria mais ou menos assim. Mas não é. E por isso, mesmo eu, que assisti a película praticamente 70 anos depois que ela foi produzida, numa cidade infestada por canaviais e num país onde a maioria é analfabeta -- do presidente ao faxineiro --, tive um impacto que transcende a este hiato que engloba ao menos três gerações.

O que é bom em Cidadão Kane, depois que todo seu aparato técnico ficou obsoleto e ultrapassado? Depois, inclusive, que jornal impresso deixou de ser única referência como mídia, e tem sua influência diminuída? Talvez por que Cidadão Kane antecipa a revolução audiovisual do Século XX? Pode ser, mas é mais que somente isso. Ele é bom, a meu ver, porque conseguiu encanar na história de um mito tudo o que se acreditava, sobretudo naquele período, em relação ao que a comunicação veloz e presencial poderia oferecer. Mas sem cair em tentação, o filme já coloca na mesma medida tudo o que seria o problema da segunda metade então vindoura daquele século e que persiste: a metáfora midiática como balizador de realidade.

Kane, neste retrato, é a força de imposição desta metáfora. Ao tentar promover sua esposa como cantora lírica e ao denunciar em seus jornais empresas de sua propriedade, ele demonstra a característica persuasiva da mídia. Não é a toa que ele se abdica de suas fábricas e empresas, como uma de transporte público, para "apenas cuidar de um jornal, o que lhe parecia divertido". Orson Welles foi feliz -- não, foi genial -- ao captar com maestria esta nova ordem que se estabeleceria anos mais tardes com o fim da Segunda Guerra Mundial e com a disseminação da informação eletrônica, hoje amplificada com as possibilidades da Web.

Demorei para assistir Cidadão Kane. Todo estudante de jornalismo sabe da necessidade de conhecer essa obra-prima do cinema -- segundo a Revista Bravo, o filme mais importante da História --, por isso, sei que a minha morosidade foi grande. Mas interessante que ele veio exatamente quando estudo "crise do Sujeito sob a força da mídia global". Ele veio justamente quando precisava de alguém para me tirar de minha crise conceitual, como uma espécie de James Bond, mas que atende por outro nome. Kane, Charles Kane.



"Mesmo o homem supersticioso tem direitos inalienáveis. Ele tem o direito de defender suas imbecilidades tanto quanto quiser. Mas certamente não tem direito de exigir que elas sejam tratadas como sagradas." (H. L. Mencken. Não conheço o fulano nem mais gordo nem mais magro. Apenas achei a frase e, depois de escutar uma baboseira anti-células tronco, dá para dar uma relaxada)

segunda-feira, 3 de março de 2008

Chatice aguda

Triste notícia. Virei um chato. Daqueles chatos, mesmo. Mes-mo. Do tipo que leva serviço para casa, que não responde quando é chamado, que só faz aquilo que lhe é útil, do ponto de vista pragmático da palavra. Chato daqueles que não sai para se divertir, mas para fazer networking, que procura se postar de maneira correta, com postura, ereta, se possível -- e ainda mais, se possível, em uma roupa social. Sou do estilo do chato que não vê graça na brincadeira das ruas, de quando o outro chama o outro, do outro lado da rua, e grita: Ê, viado! Como vai a mãe? E o outro responde: Não como a sua, mas vai indo. Essa é a minha espécie. A do chato.

Não gosto de ver torcedor feliz ou alguém feliz por ter passado mais tempo com o filho. Aliás, não gosto de 'felicidade nas pequenas coisas'. Detesto, inclusive, brasileiro feliz; essa raça, a dos brasileiros (não cafusa, mas confusa), não deve ser feliz, não nasceu para isso, ela precisa ser como eu, afinal. Ela precisa ser chata. Minha chatice só não perturba porque eu, como um chato, busco me isolar em meu mundo e, como um autêntico, não divido minhas chatices com qualquer semelhante.

Além de chato, sou egocêntrico, e faço do meu egoismo ponto alto da minha chatice. No meu e-mail -- não o comercial, obviamente, iria pegar mal -- tem a palavra 'ego', emendada por um underline, com o sufixo 'tosao', numa junção medíocre de poesia barata, destas vendidas em postos de gasolina, nas quais muita gente cai porque passou o Ensino Fundamental em aulas de janela -- no caso de quem estudou no estado -- ou 'fazendo farra como são os jovens' -- no caso de quem passou pelas particulares.

Sou chato da melhor espécie. Busco referências fora de moda para justificar aquilo que não gosto e de que está na moda. Tento provocar riso ao me usar como escada. Tenho pedigree de chato e, assim, vou sendo a minha própria chatice. Aguda. Pontuda. Destas que cutucam. E fazem cócegas nos mais sensíveis e arranhões nos mais carrancudos.

Até!



"A pressa é inimiga da paciência" (Essa é minha, ao explicar para minha mãe porque não estava com pressa de limpar a cozinha)